INFLAÇÃO (DES)CONTROLADA TENDE A… PIORAR

O economista angolano, Wilson Chimoco, considera que a inflação em Angola está descontrolada, e que “nenhuma política pública vai conseguir pará-la enquanto não se assistir ao aumento da produção local”. É claro que, depois de se descalçarem para utilizar os dedos dos pés para contarem acima de dez, os peritos do MPLA dizem o contrário.

Em declarações hoje à Lusa, Wilson Chimoco disse que o Governo decidiu agravar as taxas aduaneiras, na mais recente actualização que fez, para a importação do arroz e trigo, para 40% e 20%, respectivamente, quando sabe que “não tem condições de atender à procura interna”.

A resposta natural a esta medida “é o aumento encadeado dos preços” afirmou o docente universitário, situação que, realçou, “poderá piorar”.

“O Governo não o admite explicitamente, mas o OGE [Orçamento Geral do Estado] indica que em 2024 vai voltar a ajustar os preços dos combustíveis e da electricidade”, frisou, e se isso acontecer vai acelerar ainda mais a inflação.

Wilson Chimoco avançou também que Angola está perante um quadro desafiante, porque o aumento da inflação significa que o banco central tem de agravar a política monetária, o que em contrapartida impossibilita o Tesouro nacional de se financiar nos mercados para fazer face às suas necessidades.

“E, claro, os impactos serão imediatos nos atrasos nos pagamentos dos salários à função pública e no crescimento da economia”, sustentou, considerando “outro grave problema” a avaliação que as agências de notação financeira vão fazer sobre o risco de Angola.

De acordo com o economista, uma revisão em baixa vai reduzir as possibilidades do Estado angolano voltar a emitir ‘Eurobonds’ (títulos de divida em moeda estrangeira), com custos baixos ao mesmo tempo que vai obrigar os bancos comerciais a elevar as imparidades para os Títulos Públicos, que detêm nos seus balanços.

“E, pelos desafios previstos para o serviço da dívida em 2024, o Governo poderá ser obrigado a voltar a cativar despesas e, no cenário mais gravoso, pedir uma revisão ao OGE”, argumentou.

Para o docente de macroeconomia na Universidade Católica de Angola, a solução passa por se apresentar um plano claro de desinflação de médio prazo.

“Que deve ser claro nos objectivos e prazos e que deve incluir, necessariamente, uma ancoragem cambial à China e um plano de oferta da produção nacional liderada pela Reserva Estratégica Alimentar”, defendeu o também investigador colaborador do Centro de Estudos e Investigação Científica na Universidade Católica de Angola.

Em Angola, segundo o economista Heitor Carvalho, a principal causa da inflação é, contudo, a variação do rendimento petrolífero. Quando o rendimento petrolífero cresce, a oferta de divisas no mercado cambial aumenta, baixando a quantidade de Kwanzas necessária para comprar uma unidade de moeda externa. Os preços em Kwanzas baixam, fazendo crescer o volume das importações, o que aumenta a quantidade de produtos disponíveis, baixando os preços.

No entanto, simultaneamente, aumenta a procura de divisas no mercado cambial, o que actua em contraponto, até se alcançar um novo equilíbrio ou haver nova variação dos rendimentos petrolíferos, o que normalmente acontece primeiro. Quando os rendimentos petrolíferos baixam, o processo é quase exactamente o recíproco: aumento das taxas de câmbio, subida do preço em Kwanzas, redução das importações, escassez, menor procura de divisas no mercado cambial, até se restabelecer algum equilíbrio após fortes constrangimentos ao consumo, à produção (matérias-primas e serviços às empresas) e ao investimento.

Ao tentar controlar a inflação através da oferta monetária, o Banco Nacional de Angola é muito pouco eficaz para a estabilização estrutural dos preços. A inflação, como toda a economia, sobe e desce ao sabor dos preços do petróleo!

Enquanto a produção nacional decrescer face à procura e continuar dependente de um produto de exportação em fase de declínio da produção e com preços muito voláteis, uma política estritamente monetária pouco poderá fazer para travar a marcha inflacionária da economia.

O INE não consegue fazer reflectir a subida efectiva dos preços nos números da inflação. A total dissociação entre os números da inflação do INE e a realidade já vem de longe. Em Outubro de 2019, quando o USD valorizou 30% em simultâneo com a introdução do IVA, a maioria dos preços subiu mais de 50%, mas o INE reportou uma taxa de inflação de 1,6%, a subida mensal mais baixa entre Junho de 2019 e Março de 2022. Em 2022, o INE considerou que os preços da alimentação e bebidas não alcoólicas subiram 13,24%, quando, na verdade, desceram visível e significativamente.

Sabe-se que a inflação é sentida de forma diferente por cada pessoa e que variações de 1% ou 2% não têm forma de ser percebidas sem cálculo. Porém, quando estamos perante valores completamente diferentes dos sentidos por todos e efectivamente verificados em quase todas as transacções, torna-se impossível permanecer indiferente.

Quarta-feira ficou a saber-se que inflação em Angola acelerou para 21,99% em Janeiro, o valor mais elevado em 18 meses e que representa um acréscimo de 9,44 pontos percentuais face ao mês homólogo, segundo o Instituto Nacional de Estatística angolano.

De acordo com a Folha de Informação Rápida (FIR), o Índice de Preços no Consumidor Nacional registou uma variação de 2,49% entre Dezembro de 2023 e Janeiro de 2024, a maior da série disponibilizada na FIR, que abrange 36 meses (desde Janeiro de 2021).

A inflação mensal cresce há 15 meses consecutivos, enquanto a inflação homóloga prossegue em rota ascendente desde Abril de 2023.

A classe “Saúde” foi a que registou maior aumento de preços em Janeiro, com uma variação de 3,15%, seguindo-se os “Bens e serviços diversos” com 2,98%, a “Alimentação e bebidas não alcoólicas” com 2,94% e o “Vestuário e calçado” com 2,54%.

As províncias que registaram maior variação mensal nos preços foram Luanda com 3,40%, Huíla com 2,04% e Namibe com 1,99%.

Em termos homólogos, a classe “Alimentação e bebidas não alcoólicas” foi a que mais contribuiu para o aumento do nível geral de preços com 1,74 pontos percentuais durante o mês de Janeiro, seguida dos “Bens e serviços diversos” com 0,21, “Saúde” com 0,13 pontos percentuais e “Vestuário e calçado” com 0,10 pontos percentuais.

Recorde-se que, no passado dia 19 de Janeiro, o Banco Nacional de Angola (BNA) anunciou que a taxa de inflação deverá atingir os 19% em 2024, estimando que o Produto Interno Bruto cresça 2,2%, suportado (como não poderia deixar de ser) pelo sector não petrolífero. O anúncio foi feito pelo governador do BNA, Tiago Dias, durante uma reunião do Comité de Política Monetária do banco central europeu.

Segundo o responsável, as estimativas de inflação para 2024 têm como base a aceleração dos termos de troca, insuficiência de oferta de bens e serviços e vulnerabilidade da cadeia de abastecimento interna associada a constrangimentos na cadeia logística internacional. Tiago Dias indicou ainda que Angola fechou o ano de 2023 com uma taxa de inflação de 20%.

Quanto ao crescimento económico, fixou-se em 0,7% do PIB em 2023, impulsionado pelo sector não petrolífero que terá crescido 2,1%, perspectivando-se que avance para os 2,2% este ano, em resultado dos impactos esperados dos diferentes programas do governo de estímulo ao sector não petrolífero, que deverá aumentar 4,2%, prevendo-se uma redução da produção petrolífera.

Três dias antes, o economista-chefe do Banco Fomento Angola (BFA), José Miguel Cerdeira, reviu a previsão de recessão em Angola em 2023, prevendo que tenha conseguido uma expansão de até 1%, acelerando para até 2,4% em 2024. Por sua vez, a Consultora Oxford Economics avançou com a previsão de uma inflação de 23% este semestre…

José Miguel Cerdeira explicou que houve dois motivos (certamente corroborados também pelo Presidente do MPLA e pelo Titular do Poder Executivo) para considerar que Angola terá crescido em 2023 e que vai crescer ainda mais este ano. Isto já para não falar em 2050…

“Por um lado, esperávamos originalmente uma quebra do Produto Interno Bruto petrolífero bastante mais acentuada, entre os 5% a 6%, mas a segunda metade do ano foi um pouco mais positiva do que antecipávamos, pelo que agora esperamos uma quebra mais suave, entre os 1,7% e os 2,2%, sendo bastante possível que o PIB petrolífero cresça no último trimestre”, explicou o responsável do gabinete de estudos económicos do BFA.

O outro factor que sustentou a revisão é que, “na economia não petrolífera, há sectores que esperávamos ver em recessão, devido à enorme depreciação e resultante inflação, junto com efeitos na confiança, e isso não está a ocorrer”, referiu.

Questionado sobre a previsão para a economia angolana este ano, José Miguel Cerdeira disse esperar uma aceleração da expansão da actividade económica, que deverá, ainda assim, ficar abaixo dos 3%.

“Para 2024, esperamos uma melhoria muito marginal, vai ser um ano muito condicionado pela componente cambial”, respondeu, apontando para um crescimento entre os 1,9% e os 2,4%.

“O que se passou em 2023 é que o Estado está a enfrentar muitas amortizações em moeda externa, menos receitas petrolíferas em dólares, mas sobretudo menos facilidade em obter financiamento externo para a Tesouraria, fora do financiamento que já está alocado a projectos de investimento específico, ou seja, o Estado angolano está a ser forçado a apertar o cinto na dívida externa”, explicou o economista.

O economista-chefe do BFA lembrou, neste contexto, a “fortíssima diminuição da dívida pública externa nos últimos três trimestres, de quase três mil milhões de dólares”, cerca de 2,7 mil milhões de euros.

A saída de moeda estrangeira, acrescentou, está a pressionar o mercado cambial e a disponibilidade de divisas, bem como os gastos do Estado, porque o excedente em moeda estrangeira, agora menor, é utilizado para financiar gastos em kwanzas.

“Essa é a principal realidade da economia angolana: a economia não petrolífera depende de importações e da confiança dos agentes económicos, e como essa realidade ainda não vai mudar este ano, esperamos uma subida apenas gradual do desempenho da economia não petrolífera, a crescer entre 2,4 e os 2,9%”, afirmou.

Para a economia petrolífera, a estimativa para este ano aponta para “um cenário entre a estagnação e crescimento ligeiro, mas a previsão é de 0,3 a 0,8%”, o que fará o total da economia crescer entre 1,9 a 2,4%.

Este ano, os angolanos deverão novamente enfrentar uma subida dos preços, que em 2023 registaram um aumento médio anual de 20%, que deverá crescer ainda mais, para 24%, até final deste ano.

“Vamos ter um novo ano em que a inflação deverá ficar provavelmente sempre acima dos 20%, provavelmente a terminar perto dos 24%, a não ser que o BNA leve a cabo uma política monetária muito mais restritiva do que esperamos”, disse José Miguel Cerdeira.

“Para ser claro, nós já esperamos uma política restritiva, que ainda não se materializou completamente, mas mesmo esse grau de restrição que esperamos, embora tenha o seu papel, não irá trazer a inflação abaixo dos 20% este ano”, sublinhou o economista.

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